“Feitiço do Tempo” é uma comédia, dirigida por Harold Ramis, de 1993. No filme, Bill Murray interpreta Phil, um repórter arrogante e sarcástico, que apresenta a previsão do tempo. Escalado para fazer a cobertura do Dia da Marmota, Phil e toda a equipe da TV ficam presos na cidadezinha, onde o evento acontece. Por razões desconhecidas, ocorre uma falha no tempo, e o Dia da Marmota se repete de modo desesperador, por tempo indeterminado. O feitiço só termina quando Phil compreende suas falhas e se aprimora como ser humano. 

O Dia da Marmota é comemorado nos Estados Unidos, no dia 2 de fevereiro, quando o público se reúne para observar o comportamento do animal e saber, sem nenhuma fundamentação lógica, se o inverno será longo ou breve – uma previsão embasada na irracionalidade. 

As crenças irracionais e a repetição de padrões comportamentais têm, por propósito, evitar os desconfortos da realidade. A mente humana procura semelhanças e faz inferências inconscientes ao eleger candidatos para compartilhar a vida, ocupar cargos públicos ou governamentais. A razão tenta evitar os erros passados; o afeto faz questão de perpetuá-los. O último sempre vencerá, até que o sujeito reconheça a falha, amplie o autoconhecimento, altere o status quo e o modus operandi.     

O termo dating déjà vu, mistura de inglês e francês, aqui traduzido por “encontro já vivido” tem sido utilizado para definir a repetição de relacionamentos similares. As semelhanças entre os “exs” e os atuais podem ser percebidas na aparência física ou na personalidade. Um tipo de paramnésia – perturbação da memória em que as palavras são utilizadas sem a lembrança do significado – afetiva. As evidências estão lá, mas a pessoa nega ou altera a interpretação dos fatos e mantém o equívoco como se fosse um acerto. 

As causas dessa desordem se apoiam em uma matriz primitiva das estruturas cognitivas, produzindo um anacronismo psíquico, no qual pensamentos antigos regem as decisões atuais. Por mais que a razão tente evitar a repetição de experiências negativas, o inconsciente procura e elege o familiar. O resultado é conhecido: mais do mesmo, com roupagem ou discurso superficialmente diferente.

No Brasil, o dia 1º. de fevereiro, do ano do Messias, pareceu o Dia da Marmota política. A nação assistiu a mais um episódio do “repeteco” da velha política, do “toma lá dá cá”, nas eleições para presidentes da Câmara e do Senado. Um pouco mais atrás, na linha do tempo, uma falha no julgamento levou a maior parte do país a crer em grandes mudanças e a eleger alguém que hoje representa a si mesmo, à imagem e semelhança dos anteriores, e para se garantir no cargo, adoçou as bocas famigeradas dos já conhecidos comparsas de qualquer um que alimente seus apetites vorazes.

Enquanto a ignorância prevalecer, prevalecerá, também, o medo. A miséria de inteligência fomenta a ideia de necessidade, incessante desejo que se regozija nas disputas por poder e posses, em detrimento de milhões de vidas. Haja esperança para romper o feitiço do tempo, do interminável dia D, da longínqua hora H. A redenção virá, após um inverno tão corrompido, digo, tão comprido, sob o céu de azul-anil. O riso retornará às bocas quando a previsão do tempo voltar a ser definida pelas ciências, não por marmotas.

Mara Lúcia Madureira

Psicóloga